OS SONHOS
Por essa razão ou outras de caráter místico-religioso, o ser humano através dos tempos vem atribuindo aos sonhos as mais diversas significações.
O desconhecimento das razões pelas quais uma coisa acontece leva à explicação de ordem sobrenatural e assim a experiência do sonho teria dado aos primeiros homens a sensação de estarem constantemente em contato com um mundo desconhecido, ou ainda, seria através dos sonhos que os deuses se comunicam com os homens expressando sua vontade e os demônios sua malignidade.
Antes do surgimento da ciência moderna e mesmo depois, considerou-se que através dos sonhos talvez fosse possível saber sobre o próprio destino, o que se relacionaria com o fato do sonho refletir sem barreiras as vontades mais íntimas de uma pessoa.
OS SONHOS NA ANTIGUIDADE
Textos egípcios relatam sonhos de faraós relacionados com os deuses e seus significados, geralmente comprovando a divina ascendência dos soberanos.
Mas os habitantes do antigo Egito estavam muito mais preocupados com a interpretação de seus próprios sonhos do que com os dos faraós. E para isso criaram uma ciência de adivinhação do sonho: a oniromancia.
Seu funcionamento pode ser apreendido por vestígios fragmentados de chaves de interpretação de sonhos que foram encontrados. Um papiro conhecido pelo nome próprio de Papiro Chester Beatty III, que possivelmente preserva tradições do Médio Império, traz longa lista de fórmulas de interpretação de sonhos.
Por exemplo : Se o homem se vê olhando o boi morto (bom) significa morte de seus inimigos. Se um homem vê sua cama em chamas (mau) significa o rápido de sua esposa.
No Velho Testamento a mais famosa interpretação de sonhos é o episódio do qual José, no Egito, é apresentado como um grande decifrador de sonhos e mostra-se superior e favorecido de Deus pelo fato de ter conseguido decifrar o sonho do Faraó, o que os sábios egípcios não conseguiram.
A antiga literatura hebraica é rica em relatos de sonhos pelos quais Jeová transmitia sua vontade e propósito a seus seguidores. Uma delas é a do Patriarca Jacó que, fugindo da ira do irmão, teria sabido do seu destino através de um sonho no qual o Senhor lhe teria falado.
Os gregos e romanos também parecem ter acreditado nas comunicações com as divindades através dos sonhos. Ésquilo, dramaturgo grego do século V a.C., via na oniromancia uma das maiores dádivas concedidas à humanidade pelo herói Prometeu.
Em seus poemas, Homero faz relatos de sonhos que são enviados a Zeus. Platão, em A República, descreve Sócrates afirmando que os sonhos de um homem bom são puros e proféticos porque, quando dorme, sua alma fica livre e não é afetada por problemas do corpo.
E OS SONHOS CONTINUAM ....
Já a Igreja Católica, ao contrário das antigas religiões e tradições, associou interpretações dos sonhos à feitiçaria. Mas, mesmo assim, na Idade Média sonhos foram a inspiração de grandes vocações, como nos casos de São Francisco de Assis ou São Domingos.
Foi somente no século XIX, com o Romantismo, que os sonhos se tornaram aceitáveis no Ocidente.
O tema atraiu a atenção de estudiosos, místicos e poetas, cuja abordagem dos sonhos era mais literária e metafísica do que experimental e científica.
O escritor romântico alemão Jean Paul não se limitou, porém, a observar os sonhos: fez experiências, tentando com a consciência impor sua vontade para controlá-los.
No século XIX, as primeiras pesquisas sobre os sonhos basearam-se em uma teoria essencialmente fisiológica. Alfred Maury estava entre os que tentavam estabelecer estímulos externos como causas fundamentais dos sonhos, tentando comprovar a sua teoria.
Maury realizou muitas experiências. Certa ocasião, pediu que alguém lhe roçasse os lábios e a ponta do nariz enquanto dormia. Isso o fez sonhar que torturavam o rosto. Então, surgiu a grande dúvida: o mesmo acidente produziria uma sequência de sonhos similar em sonhadores com vivências e memórias diferentes? Maury duvidou que isso fosse possível e Hildebrandt, outro fisiologista, confirmou com suas experiências as dúvidas de Maury. Suas pesquisas indicaram que os mesmos estímulos externos produziam diferentes sonhos nas mesmas pessoas e, mais ainda, em pessoas diferentes. Hildebrandt foi despertado da mesma maneira durante três dias consecutivos e teve três sonhos diferentes. Essa experiência, então, teria demonstrado mais uma vez que estímulos externos nunca são a causa da sequência de sonho, mas ao máximo um pretexto.
A PSICOLOGIA E O SONHO
Nesse estágio o caminho estava aberto para Freud, que descreveria o sonho como um processo psíquico autônomo.
Em 1900, publicou sua obra mais conhecida, A Interpretação dos Sonhos. Ele pretendeu restituir a "ciência dos sonhos" e apresentou em termos claramente analíticos observações encontradas com frequência entre numerosos autores antigos e recentes que tratavam do assunto.
A utilização dos sonhos com finalidades terapêuticas e sua interpretação sexual eram duas características da psicanálise em 1900.
Na época de Freud, especialmente entre as mulheres ricas que formavam a maioria de seus pacientes, a repressão era basicamente sexual. Eis porque, na conclusão de sua análise de sonhos, Freud frequentemente encontrava significados sexuais. Mas sabia que os sonhos podem ser provocados por causas não sexuais, até mesmo pela fome ou pela sede.
A Interpretação dos Sonhos: Freud vs. Jung
A técnica freudiana de interpretação dos sonhos não parece ser muito diversa da utilizada pelos antigos. A diferença é que, ao invés de recorrer à associação das ideias do intérprete, utiliza do próprio indivíduo que sonha para explicar a existência dos conteúdos ocultos e manifestos dos sonhos.
Freud criou a teoria da resistência e da censura, ideias que nasceram 9 no estudo de fenômenos neuróticos, particularmente as pacientes histéricas, que conheciam toda a verdade no nível do inconsciente, mas se recusavam ou eram incapazes de admiti-la.
Relacionou o sonho a um fenômeno neurótico, atribuindo o seu conteúdo Manifesto à resistência que impede a manifestação do conteúdo latente. É aí que o censor atua.
De um lado, Freud sustentava que todo sonho é a expressão de um desejo, mesmo masoquista, de outro, que a sua primeira função é de ser guardião do sono.
Jung, por sua vez, procurou mostrar que os sonhos perturbam o sono tão frequentemente quanto o protegem. Se o sonho tem outras funções além das estabelecidas por Freud, quais seriam? Para que servem? Em vez de procurar suas causas, Jung preferiu estudar a sua razão de ser.
Considerou o sonho como uma espécie de fotografia imparcial da vida inconsciente, uma compensação para a racionalidade do homem, a voz do Outro que cada um tem dentro de si. E ainda acreditou que os sonhos poderiam abrir para o indivíduo os caminhos do futuro, ocultos a seu consciente. E foi por isso que deu mais importância a eles: essa série se revelaram para ele a força do inconsciente através do que chamou o processo da individualização.
Exaltou o homem a incorporar as partes desconhecidas de sua personalidade e assim chegar ao Eu ou à totalidade.
Nos anos 50, a análise fisiológica dos sonhos voltou a tomar impulso com as tentativas do norte-americano William Dement e do canadense Eugene Aserinsky
.As tentativas de Dement e Kleitman (não "Cleiton") de estabelecer um método objetivo para o estudo dos sonhos acabaram redescobrindo o que os hindus sabiam há 3000 anos: a existência de dois diferentes estados de sono, um dotado de sonhos, outro privado deles. Essa distinção foi evidenciada pela descoberta de rápidos movimentos dos olhos (REM, Rapid Eye Movements) que ocorriam ao mesmo tempo que se dão os sonhos que são lembrados depois.
Os fisiologistas norte-americanos também afirmaram que todo mundo sonha, mesmo aqueles que o negam, e procuraram mostrar que os sonhos só se tornam evidentes durante certas fases periódicas do sono. Essas fases extras se tornaram menos frequentes com a idade.
Recém-nascidos sonham 80% do seu tempo total de sono, porcentagem que cai para 35-40% nas crianças e 20-30% nos adultos. Sua constatação, contrariando teorias anteriores, parece indicar que os sonhos, longe de serem apenas relíquias de memórias anteriores como pretendia Freud, seriam predominantemente justamente em um período no qual essas memórias são inexistentes.
Mais notáveis ainda foram as pesquisas com as galinhas que apresentaram sintomas fisiológicos de sonhos antes mesmo que o ovo fosse chocado, e com gatinhos que aparentemente também sonharam antes que seus olhos abrissem. Essa experiência, então, sugere que os sonhos ocorrem antes que a memória seja capaz de alimentar.
Quem não sonha pode morrer.
Em 1959, Dement e Kleitman realizaram experiências nas quais impediram pessoas de sonhar, despertando-as quando seus sonhos começavam a se manifestar pelos movimentos dos olhos. O resultado foi que elas passaram a apresentar características psíquicas preocupantes, como irritabilidade e ansiedade, e uma necessidade crescente de entrar na fase REM nas noites seguintes.
E, como eles não sonhavam, começaram a desenvolver características psicóticas tão alarmantes que as pesquisas tiveram que ser interrompidas. Entretanto, pensava-se ter descoberto a fonte dos sonhos ou sua "estação de abastecimento" na parte mais primitiva do cérebro, ao nível da formação reticular. Isso parece confirmar a existência de uma base ancestral, hereditária e coletiva para os sonhos.
Na França, o Dr. Jouvet e seus colegas em Lyon chegaram à mesma conclusão dos fisiologistas norte-americanos quanto ao impedimento dos sonhos e verificaram que causavam a morte de gatos e ratos em perfeito estado de saúde.
Concluíram que os sonhos são uma função essencial na vida e que seria menos perigoso passar fome e sede do que ser privado de sonhos.
Através de suas experiências em laboratório, estabeleceram o que Jung e outros tinham acreditado, ou seja, que os sonhos expressam uma função autorreguladora e compensatória do organismo.
Entretanto, até agora a fisiologia não explicou o significado dos sonhos em geral ou de suas imagens em particular, e sonhar continua sendo uma viagem em um símbolo do mundo desconhecido.



Comentários
Postar um comentário